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O gigante enterrado, de Kazuo Ishiguro

19 setembro 2018


Ficha Técnica:
Título: O gigante enterrado | Autor: Kazuo Ishiguro | Ano: 2015 | Páginas: 396 | Idioma: português Editora: Companhia das Letras | Tradução: Sonia Moreira

O gigante enterrado, de Kazuo Ishiguro, é um dos livros que comprei naquela visita ao sebo que decidi documentar no blog (você pode conferi-la na íntegra aqui). Depois de ler minha primeira obra de Ishiguro (Um artista do mundo flutuante, cuja resenha você pode ler aqui) e gostar bastante do estilo do autor, já estava de olho em um novo livro do nipo-britânico pra devorar. Um belo dia, dei a sorte de me deparar com essa edição linda e nova em folha de O gigante enterrado a preço de banana no Sebo Cultura.

Acontece que O gigante enterrado – e eu só entenderia isso na hora de ler – não é o típico livro do Ishiguro. Antes de lançá-lo, nosso escritor e grande ganhador do Prêmio Nobel de Literatura do ano passado passou dez anos em um jejum literário. Depois ou durante essa longa pausa, ele resolveu elaborar uma obra diferente e muito ambiciosa. Não sei se eu estava preparada para esse salto, mas mesmo assim fui lá e me joguei na leitura, né!

O livro apresenta a história de Beatrice e Axl, um casal de idosos que vive em uma aldeia medieval onde todas as pessoas parecem ter perdido ou estar progressivamente perdendo suas memórias: o passado mais remoto já é um mistério para todos e os pequenos acontecimentos recentes são lembrados apenas por alguns. Esse "esquecimento" é atribuído à uma névoa que cobre a aldeia bretã e não se sabe ao certo de onde veio aquilo ou quando começou. Perturbados com essa situação, Axl e Beatrice conseguem recuperar a memória remota de um filho que tiveram e decidem sair de sua terra natal para procurá-lo.

A história tem tom de fantasia: saindo da aldeia, os perigos são muitos, incluindo ogros, dragões, fadas, exércitos inimigos. Nesse ponto, O gigante enterrado tem aquele gostinho de aventura medieval com disputas de espadas entre cavaleiros de terras inimigas e caça a dragões. No entanto, o foco do livro não está em seu universo físico, a meu ver, mas em seu aspecto psicológico: a maneira como se propõe discutir sobre a memória coletiva. 

A memória coletiva consiste no conjunto de lembranças, histórias e tradições que são passadas adiante em determinada comunidade, de modo a preservar suas origens e sua cultura. Em O gigante enterrado, temos uma comunidade que parece ter, ao longo do tempo, distorcido e por fim perdido  de vez sua memória coletiva. O principal motivo pra isso parece ser o caráter negativo dessas lembranças: algo muito ruim foi feito ali, com muitas mortes, e às vezes a única defesa que as pessoas têm contra um evento traumático é o esquecimento. Enquanto Beatrice quer a todo custo reaver suas memórias, Axl acredita que algumas coisas devem ser deixadas para sempre no passado.

Ao longo de sua jornada em busca do filho, o casal principal encontra outros personagens importantes da história, como é o caso do menino Edwin, um garoto rejeitado por sua comunidade por ter sido supostamente mordido por um ogro; o guerreiro Winstan, grande herói ambicioso da aldeia saxã; e Sir Gawain, cavaleiro sobrinho do falecido Rei Artur, que está atrás de uma perigosa dragoa. Tais personagens são tão importantes para a história quanto Beatrice e Axl e os considerei até mais cativantes do que esses protagonistas, apesar de o relacionamento deles consistir em uma das partes centrais da trama e ter lá sua carga poética.  

Unidos pela convergência de seus caminhos, esse grupo diverso enfrenta diversos problemas ao longo da estrada, sofrendo tanto ameaças às suas vidas quanto conflitos de ordem psicológica, ocasionados pelo retorno de algumas memórias e pela rixa existente entre Winstan e Sir Gawain. Mesmo assim, Axl e Beatrice mantém-se lado a lado, cuidando um do outro e alimentando esperanças de encontrar um filho do qual eles praticamente não guardam nenhuma lembrança. Recordar um passado doloroso ou não se lembrar de nada, o que é melhor (ou pior)?

Quanto ao estilo, é com certo pesar que conto para vocês que a escrita de Ishiguro não me capturou dessa vez, como havia feito em Um artista do mundo flutuante. Sou uma leitora que ama descrições, de modo que "perder" longos parágrafos assim – quando bem feito – não costuma ser um problema pra mim, mas dessa vez foi. Achei a narrativa muito prolixa, de modo que às vezes sentia vontade de pular algumas páginas quando as coisas estavam muito "mornas" e partir logo para um momento de maior ação ou drama. Isso fez com que eu demorasse muito mais do que o normal para terminar a leitura, algo que me deixa desapontada comigo mesma e com o livro.

A obra é dividida em quatro partes: essa trajetória mais lenta da narrativa predomina nas duas primeiras. O fato de, no início, você não saber de nada do que está acontecendo e ficar tão confusa quanto os próprios personagens esquecidos também não ajuda. As coisas melhoram na terceira e quarta partes, com novas revelações interessantes, e a obra é fechada com um final do qual eu, particularmente, gostei bastante, achei muito sensível. Deu até pra perdoar um pouco as partes menos interessantes do caminho.

O gigante enterrado é um livro que eu recomendaria para os fãs de épicos medievais que estão interessados em experimentar algo um pouco diferente do comum: uma história de aventura que foca menos na fantasia e em "lutinhas" de cavaleiros e mais no aspecto dos sentimentos, nas questões referentes à memória, família, amor, guerra, morte. É uma história inteligente e cheia de simbolismos interessantíssimos, mas acredito que se você não for especialmente fã da ambientação e só cair de pára-quedas nas páginas desse livro – como eu fiz, de certa forma –, talvez acabe não o aproveitando tanto. 
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