Posts Recentes

Um artista do mundo flutuante, de Kazuo Ishiguro

20 julho 2018


Um artista do mundo flutuante é o segundo romance publicado pelo escritor nipo-britânico  e grande ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2017!  Kazuo Ishiguro. Trata-se do primeiro livro que eu leio desse autor, o que pode parecer uma escolha "esquisita" para muitos, porque ele tem outros romances bem mais famosos, como é o caso de Não me abandone jamais e os Vestígios do dia, que já ganharam até adaptação pro cinema. (É que, assim, gente... Sou dessas. Peguei o livro na mão, conhecia a fama do autor, senti vontade de ler e comprei. Pesquisar por qual livro seria melhor começar a conhecer a obra do Ishiguro? Nah. O negócio aqui é pura intuição! Risos.) Já posso começar dizendo que não me arrependo nada e apreciei muito a leitura, quero o próximo pra ontem!

O romance se passa no Japão pós-Segunda Guerra Mundial, entre os anos de 1948 e 1950. Como não é de se espantar, o país estava passando por várias mudanças nesse período e não era um cenário nada fácil para os japoneses, entre eles, Masuji Ono, nosso narrador. Ono é um renomado artista já aposentado, que desfrutou de muita glória em sua juventude, pintando durante o dia e curtindo a noite em bares, onde fomentava o orgulho japonês e a agitação antes da Guerra. Agora que já parece ter deixado a pintura no passado e está a lidar com assuntos mais tradicionais da família – como a negociação de um casamento para sua filha mais nova, Noriko –, o velho Ono começa a refletir sobre os caminhos que tomou na profissão e o alcance da influência política de sua arte.

A motivação inicial que parece despertar o olhar desse senhor para o seu passado e o passado de seu país é justamente o "problema" do acordo matrimonial para Noriko, que já tem vinte e seis anos (na época, vocês devem imaginar, já tava "ficando pra tia" na visão daquela sociedade). Ele percebe, a partir de um conselho da filha mais velha e já casada, Setsuko, que as consequências de alguns de seus atos de muito tempo atrás ainda têm influência na vida de sua família. Talvez o que estivesse atrapalhando as negociações seria uma "rejeição" direcionada ao próprio Ono, devido ao seu trabalho no passado. Que trabalho? Qual a influência que um artista pode ter em uma nação? Qual a relação de Ono com a Guerra? Afinal, ele está sentindo orgulho ou remorso? Ou ambos? (#descubra)


Ficha Técnica:
Título: Um artista do mundo flutuante | Autor: Kazuo Ishiguro | Ano: 1986 | Páginas: 225 | Idioma: português Tradução: José Rubens Siqueira Editora: Companhia das Letras

A narrativa de Um artista do mundo flutuante é bem nostálgica e não respeita sempre a ordem cronológica, pois se faz sobre as memórias de um narrador não confiável. Além de por vezes carregar suas palavras de falsa modéstia e uma inocência que não sabemos bem se corresponde à realidade, ele  vai sobrepondo lembranças, algumas mais frescas do que outras. Não é raro uma menção como "não me lembro se foi exatamente isso que fulano disse, mas se não me engano foi assim". Ele às vezes se perde em um assunto, mais tarde retoma, lembra de outra situação ali no meio, opina... É preciso analisar seu relato com um olhar bem crítico e atento aos detalhes. Ademais, Ono é o típico homem japonês de sua época: o leitor vai se deparar mais de uma vez com alguns posicionamentos machistas e conservadores, especialmente em relação às suas filhas. O legal é que nem sempre elas cedem às ordens do pai, especialmente Noriko, que é até bem "debochada".  

Ao contar a própria história, Ono acaba contando também a história de um Japão antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Isso acontece tanto em um aspecto visual, quando ele relata as mudanças dos bairros de sua cidade, quanto no aspecto social, psicológico e cultural daquela população. Acho que não resta nenhuma dúvida de que uma Guerra, especialmente uma Guerra perdida, muda muito uma nação, sob todos os aspectos. O Japão, com suas peculiaridades culturais, tem uma reação muito particular, e no livro são apresentadas várias situações dessa época. Alguns exemplos são: o fenômeno dos suicídios por desonra, o crescimento da mentalidade liberal e a influência dos Estados Unidos na indústria cultural.

A escrita de Kazuo Ishiguro é muito fluida e fácil de acompanhar. Ele domina as complexidades do narrador não confiável e apresenta a velhice de uma maneira muito convincente; poderia ser o seu avô contando a história dele para você, com toda aquela nostalgia e reflexão sobre a validade e o peso das coisas que ele fez no passado. Vi por aí que fãs desse escritor dizem que seus outros livros são mais "movimentados", enquanto esse seria mais "parado". Não achei o romance monótono; entendi que se trata apenas de uma história mais simples e humana, de memória. Um artista do mundo flutuante é uma leitura agradável e muito interessante, imperdível para quem se interessa por História e pela cultura japonesa. 

Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário:

Postar um comentário