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A Canção de Aquiles, de Madeline Miller

31 agosto 2018


A Canção de Aquiles, escrito pela americana Madeline Miller, é um romance histórico baseado em um clássico grandioso: Ilíada, de Homero, obra épica que faz a reconstituição mitológica da Guerra de Troia. Depois de ter uma boa recepção nos EUA, esse livro – já permitam-me dizer, maravilhoso, e logo você vai ver por quê – foi publicado no Brasil em 2013, pela editora Jangada, e também está conquistando muita gente por aqui.

A Canção de Aquiles é o primeiro romance de Madeline Miller, que é uma estudiosa do latim e do grego antigo, com direito a uma especialização na adaptação de narrativas clássicas para o público moderno em Yale (currículo bonito, né?). Com essa obra, Miller pretendeu fazer uma espécie de "recorte" dentro da Ilíada e adaptar a história dos personagens Aquiles e Pátroclo, companheiros inseparáveis da infância até a Guerra, sobre os quais sempre pairou o rumor de que haveria um algo a mais – um romance. Diversas análises da Ilíada, desde a Antiguidade até os dias atuais, apontam para esse aspecto do mito de Aquiles: qual seria a verdadeira natureza de sua relação com Pátroclo?

Buscando explorar tais aspectos, A Canção de Aquiles nos insere minuciosamente no universo dos dois personagens, começando por sua infância. Nossa história é narrada em primeira pessoa por Pátroclo, tímido príncipe que foi exilado no reino de Fítia depois de matar acidentalmente um garoto. Acolhido pelo rei Peleu, ele vive à sombra deste, e logo acaba por conhecer Aquiles, seu extraordinário filho. Aquiles é um semideus, reconhecido por suas múltiplas habilidades e a quem o futuro parece reservar um destino glorioso: ser o maior guerreiro de seu tempo, duas vezes mais poderoso do que seu pai.

Os dois garotos têm personalidades praticamente opostas: enquanto Pátroclo parece tentar passar despercebido e carrega uma enorme culpa por ser o desgosto de sua família, Aquiles é confiante, sem arrogância, e está sempre sob os holofotes. As diferenças os aproximam e os atraem para a órbita um do outro, mais ainda quando percebem que são capazes de enxergar além da imagem que aquela comunidade projeta sobre eles. Assim, não leva muito tempo para que os laços entre os dois se estreitem: Pátroclo e Aquiles acabam se tornando amigos inseparáveis. 


Ficha Técnica:
Título: A Canção de Aquiles | Autor: Madeline Miller | Ano: 2013 | Páginas: 392 | Idioma: português Editora: Jangada

Com o passar do tempo, conforme vão crescendo, amadurecendo e aprendendo juntos, Pátroclo começa a ver seus próprios sentimentos atravessarem a linha do amor fraternal para o romântico. É uma narrativa tão sincera e o ato de se apaixonar se desenvolve com tanta, tanta pureza, que chega a doer. Sério, passei quase a leitura inteira de A Canção de Aquiles com uma mão no peito e murmurando "ugh", porque é tão bonito que a gente fica com o peito apertado, e essa foi a minha parte favorita da história: a fase da adolescência e das descobertas. O desenvolver inseguro dos sentimentos de Patróclo e depois a reciprocidade que ele encontra em Aquiles, que também só tem olhos para ele e pra Guerra, mas a gente fala disso daqui a pouco , é de fazer suspirar. Honestamente, sou uma pessoa difícil para romances, porque não costumam me convencer com facilidade, mas esse caminhou de maneira tão natural e bela que fui obrigada a me render.

O aspecto romântico, no entanto, não nos deixa esquecer que essa é uma história sobre a Guerra de Troia. O leitor se apega e torce pelos personagens, mas logo é lembrado de que eles estão diante de circunstâncias muito complicadas. Aquiles foi feito para a Guerra e não tem como – nem quer – escapar dela. Há um destino a se cumprir, uma lenda a ser registrada para a posteridade, um nome a ser lembrado com glória. Assim, Aquiles e Pátroclo se encaminham para a sangrenta Guerra de Troia. Tétis, a mãe divina de Aquiles, que nunca gostou de sua proximidade com Pátroclo e sempre tentou distanciá-los, alimenta o orgulho do filho, orgulho este que pode levar tanto à glória, quanto à ruína. 

Um dos maiores destaques dessa obra é a possibilidade que temos de ver além da imagem do "Aquiles-herói": vendo-o através do olhar de Pátroclo, Aquiles é  humano, amável e corruptível. Tão humano que às vezes é possível odiá-lo, odiá-lo por seu orgulho, por suas escolhas, por se deixar manipular por Tétis, por buscar cegamente uma reputação que pode arruiná-lo. Nos entristecemos ao perceber que, por seu desempenho na Guerra, o semideus será conhecido como uma lenda, como um herói; entretanto, nunca enxergarão quem ele realmente era, o Aquiles que só Pátroclo conhecia, por trás de tudo isso. E vice-versa: Aquiles também conhece Pátroclo de uma maneira que ninguém mais conhece, amando-o por sua coragem, gentileza e generosidade. É por isso que, mesmo sabendo que pode perdê-lo, Pátroclo está disposto a segui-lo até o fim. 

A Canção de Aquiles é um romance que consegue realmente inserir e prender o leitor na história que pretende contar. A escrita de Miller é muito agradável e especialmente poética, sem ser demasiado complexa ou pretensiosa. É claro que os protagonistas brilham mais do que tudo aqui, mas os outros personagens da Ilíada que nos são apresentados também são bem explorados, assim como a mitologia e todo o contexto do momento, aspecto fundamental do romance histórico. É a segunda vez que leio um romance ambientado na Antiguidade – meu primeiro foi Memórias de Adriano, da Marguerite Yourcenar – e já quero mais. 

Como parte da comunidade LGBT, posso dizer com segurança que é sempre um alívio ler um livro que apresenta um romance homossexual bem-escrito, mas que não se limita a isso: a história tem muitas outras facetas e os personagens são explorados muito além da sua sexualidade – algo que nunca deve ser tomado como o aspecto mais importante da personalidade de alguém. Terminei esse livro com três certezas: a primeira é que quero ler A Canção de Aquiles novamente num futuro próximo. A segunda: não se deve esperar misericórdia dos deuses gregos. E a terceira: o real "calcanhar de Aquiles" foi seu amor por Pátroclo. 

— Cite um herói que tenha sido feliz. Não conseguiria. — Não, não conseguiria. — Sei disso. Os deuses não permitem que sejamos famosos e felizes. Vou lhe contar um segredo. — Conte-me.— Eu serei o primeiro. Jure.— Por que eu devo jurar?— Porque você é a razão. Jure.— Eu juro.
Comentários
15 Comentários

15 comentários :

  1. Oi Rafa!

    Tudo bem? Confesso que não conhecia o livro, mas sua resenha despertou o meu interesse. Sem dúvida alguma eu iria me identificar mais com a personalidade do Pátroclo, eu detesto ter as atenções voltadas para mim!

    Meu Deus quando você falou que ficou com o coração apertado durante toda a leitura o meu até deu um pulo aqui! Eu realmente preciso conhecer esse livro porque pela maneira que você falou eu simplesmente vou achar essa história incrível! Fico feliz por ter lido essa resenha e ter conseguido pegar essa dica e traz toda essa questão do cenário LGBTQ+ que eu simplesmente adoro ler sobre.

    Não sei o que mais me encantou na sua resenha, possivelmente tudo! Estou animadíssima com essa dica Rafa! Muito obrigada!

    Beijinhos - Jessie
    www.paraisoliterario.com

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  2. Oi! Adorei a resenha. Fiquei com muita vontade de conhecer a obra. Adoro mitologia grega e tenho uma edição super linda de A Ílíada em casa. Tenho um certo receio quanto a romances históricos porque sou muito apegada aos fatos reais. São livros difíceis de trabalhar porque você está retratando outra época, costumes, cultura e precisa se desapegar do que é corriqueiro para nós para tentar compreender o que foi aquele momento para eles. É necessário muita pesquisa, estudo, notas e etc. A autora parece ter sido muito feliz ao trabalhar esse tema. E ainda deu esse toque de romance, que me agrada, para tirar um pouco o foco das lendas e tal.. Adorei a dica! Obrigada!


    Bjoxx ~ www.stalker-literaria.com ♥

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  3. Oi, Rafa!
    Menina do céu, nunca que eu ia imaginar que esse livro era um romance LGBT. Mas já quero na vida porque 1- é LGBT e precisamos de mais romances assim na vida e 2- envolve mitologia grega que AMO DE PAIXÃO!
    Beijos
    Balaio de Babados
    Concorra a um exemplar autografado de O que eu tô fazendo da minha vida
    Sorteio de aniversário Balaio de Babados e O que tem na nossa estante. São quatro kits; um para cada ganhador

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  4. Não costumo ler romances, mas amo histórias relacionadas a antiguidade, principalmente ambientadas em cenários de guerra, onde os sentimentos humanos parece que ficam em um êxtase maior. A história parece ser bem original também, fugindo de alguns clichês, espero que quem goste do gênero tenha uma experiência ótima com o livro. Bjs !!

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  5. olá. não conhecia essa obra mas só pela alusão a Ilíada eu já fiquei tentada a ler. adoro História, a Guerra de Troia é uma história que me fascina e sendo na temática LGBT, aposto que será uma leitura que vai me surpreender. :D
    parabéns pela resenha bem escrita...
    bjs...

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  6. Oi, Rafaela.
    Ainda não conhecia o livro e gostei muito da apresentação que você fez dele.
    Eu adoro romances históricos, mas infelizmente esse livro não me cativou. No momento estou procurando outro tipo de história. Mesmo assim, vou anotar a dica para indicá-lo para alguns amigos que sei que apreciam livros nesse estilo!
    beijos
    Camis - blog Leitora Compulsiva

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  7. Oiiii,

    Genteeee eu não conhecia o livro!!! E eu adoro um romance histórico, principalmente de histórias que eu sempre gostei, com a do Aquiles, e gosto deste tipo de romance porque gosto de pensar que eles tinham uma vida interessante e instigante para além dos fatos históricos que os cercam. E achei mais interessante ainda ser um romance homossexual, e ainda mais um bem escrito que é algo um tanto quanto difícil de encontrar, então gostei de saber disto também. Já supera anotei a dica aqui e espero poder conferir em breve.

    Beijinhos...
    http://www.paraisoliterario.com

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  8. Oi, Rafa!
    Lembro que no primeiro ano de graduação, quando estudei Iliada, houve um comentário sobre esse livro justamente por trazer uma visão bem construída desses dois personagens tão famosos, mas não tive oportunidade de ler na época e acabei esquecendo depois. Apesar de adorar romances, e me parece (pelo o que você contou na resenha) que a autora conseguiu mostrar o relacionamento entre eles de forma delicada e bonita, me deixa muito feliz (ou aliviada) que a Guerra não foi deixada de lado, mas sim esteve entrelaçada na vida dos dois porque ela é um elemento determinante no destino deles. Já sei o que vou comprar na próxima vez que passear pela amazon hehe
    Beijos!

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  9. Oi Rafa!
    Muito interessante o recorte de Ilíada que a autora usou para criar sua história.
    Parece ser um romance histórico bem legal, uma pena a escrita ser poética, não gosto muito de leituras assim.
    Fico feliz do livro ter uma história bem elaborada e complexa e não explorar somente a sexualidade, precisamos de mais livros assim.
    Ainda não conhecia o livro e gostei bastante de conhece-lo pelo seu texto.

    beijos
    FLeituras – Leituras da Fabi

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  10. Oi, tudo bom?
    Que livro interessante! Estou apaixonada pelo enredo e já quero ler A canção de Aquiles para ontem! Amo romance histórico e já sei que amarei esse livro, principalmente por trazer uma versão da história de Aquiles! Espero que minha leitura seja tão boa quanto a sua!

    Beijos!
    https://www.manuscritoliterario.com.br

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  11. Que resenha incrível!! Eu ainda não conhecia esse livro, mas quero muito ter a chance de lê-lo algum dia. Eu queria muito ler Ilíada, sempre tive interesse nessa obra, mas eu nunca tive a chance de ler. Eu adorei a narrativa desse livro, a história parece ser ótima, e me deu uma grande vontade de ler. Vou anotar a dica é procurar o livro assim que for possível.

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  12. Olá!
    Eu não conhecia essa obra e fiquei bem interessada principalmente por trazer um romance baseado em um clássico, lembro muito pouco da Guerra de Troia, mas ao mesmo tempo traz conceitos bem atuais, de forma delicada e muito bem desenvolvidos. Os personagens me chamam atenção e já criei simpatia pela trama. Vou procurar pra ler!
    Beijos!

    Camila de Moraes

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  13. Oi, Rafa

    Gente, esse livro é de 2013 e eu nunca tinha ouvido falar dele, como pode???
    Fiquei aqui fazendo um paralelo entre este Aquiles e o Aquiles de Brad Pitt, mulherengo em Troia... e honestamente este Aquiles, deste livro, me agradou MUITO mais.
    Não sabia desse rumor, de ter havido esse "algo mais", mas achei muito interessante!
    E sim, o currículo da autora é impressionante. Agora vou colocar o livro nos desejados antes que eu esqueça dele!

    Beijos
    - Tami
    https://www.meuepilogo.com

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  14. Olá, tudo bem?
    Eu ainda não conhecia esse livro, mas confesso que não é o estilo de livro que me atrai muito. O máximo que sei sobre Ilíada é o que vi no filme Troia e confesso que nunca me interessei muito por saber mais. No entanto, achei muito interessante o fato dos personagens serem tão bem construídos e podermos ver Aquiles além do herói. Além disso, gostei muito do fato de que, apesar do romance ser bem construído, o livro não se resume a ele, mas que a autora soube explorar outros aspectos da personalidade dos personagens além da sexualidade deles.
    Não é o estilo de leitura que me desperta muita curiosidade, pelo menos no momento, mas adorei sua resenha e percebi que há aspectos muito interessantes.
    Beijos!

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  15. Quero ler este livro desde a época do lançamento, uns 4 anos atras e nem sei dizer o motivo de ainda não ter lido. Amo romances, mas o fato da história ser o amor entre duas pessoas do mesmo sexo e não se ater apenas a isso, me deixa com mais vontade de conhecer a trama. A sua resenha está muito instigante e espero ler ainda este ano.
    Beijos

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