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Homens imprudentemente poéticos, de Valter Hugo Mãe

13 junho 2018


Fala rapazeada, tô chegando com os refri... Digo, com mais uma resenha de um livro do Valter Hugo Mãe. O escolhido da vez foi Homens imprudentemente poéticos. Depois de A desumanização, cuja resenha você pode conferir aqui, eu já sabia que teria que me aprofundar nas leituras do português. Seguindo a recomendação de uma amiga e aproveitando uma promoção das Livrarias Curitiba, adquiri Homens imprudentemente poéticos. O espetáculo já começa na edição da Globo Livros, sob o selo de Biblioteca Azul, toda trabalhada nas cores e rica das ilustrações de Paulo Ansiães Monteiro.

Homens imprudentemente poéticos nos conta uma história passada no Japão Antigo, aos pés do Monte Fuji, que abriga uma floresta há muito tempo famosa por ser "a floresta dos suicidas" (Aokihagara), um lugar onde muitas pessoas vão com um único objetivo em mente: morrer. Ao adentrar essa mata, é costume que os suicidas amarrem fios coloridos às árvores. Eles fazem isso para que, durante a subida na montanha, caso acabem desistindo e decidam dar outra chance à vida, possam voltar e sair de lá a salvo. Até aí, não há ficção: a "floresta dos suicidas" realmente existe. E é bem próximo a esse lugar misterioso que começa a nossa história.

Aos pés do Monte Fuji há uma aldeia, onde vive uma comunidade de japoneses, entre eles o artesão Itaro, que mora com sua irmã cega, Matsu, e a criada deles, a senhora Kame. Itaro é um homem reservado, de poucos afetos, irritadiço, mas que não tem um coração mau. Ele tem um dom sobrenatural de ver lampejos do futuro quando mata animais e dedica-se quase exclusivamente ao seu ofício de pintar leques. Na vizinhança, vive também o oleiro Saburo, que acabou de perder sua esposa, Fuyu, no ataque de uma criatura misteriosa que desceu a montanha. Desde antes da morte de sua amada Fuyu, tragédia que foi prevista em um dos momentos de clarividência do vizinho Itaro, Saboru plantava um jardim de flores aos pés da montanha, na tentativa de oferecer ao Monte Fuji algo bonito que pudesse superar toda a morte que aquele lugar carrega.

Nunca o dissera à senhora Fuyu, que sentira por intuição um gesto de amor em cada pé de flor. O oleiro haveria de a proteger até da tristeza de conhecer que ameaça pendia sobre a sua cabeça. Queria que ela fosse tão propensa ao sorriso quanto o pudesse ser (...). Dizia: ando a curar o destino. Acreditava que o mérito convencia os deuses, como se os pudesse também educar. 
Mesmo depois da morte da esposa, Saburo continua a cuidar do jardim aos pés da montanha e estende o kimono dela como um amuleto, incapaz de deixar seu amor ir por completo. A aldeia o vê como um tolo, como uma criança feita muito ingênua por amar demasiado; pensa-se que ele continua a cuidar das flores com a esperança de que a mulher volte.  Itaro, o vizinho, é o total oposto dele, um dos fatores que coloca os dois como inimigos. Começamos a história com um Saburo doce e um Itaro amargo, mas isso começa a variar conforme correm os capítulos. Muito do romance gira em torno da inimizade deles e da promessa tácita de que vão matar um ao outro.

Um dia, Itaro prevê que vai ficar cego, assim como sua irmã menina. Prevê também que um grande sábio vai surgir na aldeia. A possibilidade desses dois acontecimentos, em especial o medo de cegar e não mais poder fazer leques - como sustentará a casa? O que fazer com Matsu e Kame? -, conduzem as ações dele dali em diante. Apesar de pensar que seu grande inimigo é Saburo, o viúvo demasiado fraco e sensível, o pior inimigo de Itaro e a grande fera que vive a mordê-lo é o Medo. A cultura japonesa muito tem da ideia de preservar a honra a todo custo, como uma ideia de força - até o próprio suicídio é visto como uma morte com honra, e não como um gesto covarde ou pecaminoso - e isso aparece muitas vezes ao longo da narrativa. 


Ficha Técnica:
Título: Homens imprudentemente poéticos | Autor: Valter Hugo Mãe | Ano: 2016 | Páginas: 192 | Idioma: português | Editora: Globo Livros, sob o selo Biblioteca Azul 

Minha personagem favorita do livro é a cega Matsu, verdadeiramente a menina dos olhos de Homens imprudentemente poéticos - juro por todos os meus livros que o trocadilho não foi intencional. Matsu, apesar de suas dificuldades, é uma pessoa iluminada, que transborda gratidão e tem uma compreensão muito positiva do mundo que a circunda, ainda que só possa experienciá-lo por meio dos seus outros sentidos. Ler suas palavras e pensamentos sempre me colocava um sorriso no rosto e me fazia pensar em como deveria ser grata pela minha própria vida.

Queria que ele [Itaro] se elucidasse para a gentileza. De algum modo, as palavras eram as flores que Matsu plantava, por semelhança ao que o vizinho Saburo fazia.
A "imprudência poética" está na maneira que Valter Hugo Mãe tem de nos revelar a beleza e inserir toques de algo mágico na vida tão simples e miserável de seus personagens. A poesia e a arte estão em todo lugar e não cessam, como é dito por Itaro ao final da história: "é ofensiva a arte. É ofensivo que nunca se baste". É ofensivo que uma história com um fundo tão simples seja dotada de tanta beleza. O escritor português trabalha com as palavras como o artesão pinta os leques, um a um, com muito cuidado, criando imagens belíssimas, um poema em forma de prosa. Para quem o lê pela primeira vez, seu estilo pode parecer um pouco "estranho", diferente do que estamos acostumados, guardando semelhanças com o mestre José Saramago. No entanto, é bem fácil de ler, porque ele não usa de uma linguagem "difícil"; sua poesia, mais uma vez, está na simplicidade. O livro é curto e muito envolvente, pode ser lido em poucos dias. Eu mesma não precisei de mais do que cinco - e em semana de provas, pra vocês verem o quanto gostei e não larguei.

Homens imprudentemente poéticos é um romance sobre tudo quanto é sentimento humano: amor, medo, luto, gratidão. É a fábula dos opostos: vida e morte, Itaro e Saburo. Mais do que uma narrativa, é um daqueles livros que te fazem pensar sobre a sua própria vida - uma história passada no Japão Antigo, me fazer refletir sobre a minha vida? Sim! - e ensina algumas lições importantes, além de dar aquele calorzinho no peito. Ao terminar o livro, por mais clichê que possa parecer, a sensação que eu tive foi de muita gratidão. Uma vontade de olhar para o mundo com os olhos de Matsu, que, apesar de cegos, viam muito além do que muita gente com dois olhos perfeitos vê. Vamos buscar mais a beleza das pequenas coisas em nossas vidas? Que tal nos deixarmos levar pela graça de cada dia e descobrirmos que também somos "imprudentemente poéticos"? 


Comentários
1 Comentários

Um comentário :

  1. Juro que não tinha ouvido falar do autor ou do livro ainda, mas ver como você desenhou ele aqui me deixou bastante curioso pela leitura. As frases e reflexões trazidas pelo o autor parece tornar a leitura bem envolvente e tocante. Anotei a dica.

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