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A narrativa do desconhecido em Bloodborne

24 junho 2018

A emoção mais antiga e intensa da humanidade é o medo, e o mais antigo e intenso dos medos é o medo do desconhecido. Howard Phillips Lovecraft

Quando começamos nossa jornada em Bloodborne, não sabemos os motivos que nos guiam ao flagelo de sangue. Rumamos para uma caçada selvagem na cidade de Yharnam. Entramos em um mundo que pouco fazemos questão de conhecer para decidir se estamos do lado certo ou errado. Como peões em um jogo de xadrez, controlados por intuições misteriosas narradas por personagens perturbados. É assim que se desenvolve o misterioso e grotesco em Bloodborne.
O cosmicismo encarnado nas obras Lovecraftianas tem como princípio colocar o homem no centro de uma grandiosidade inconcebível, com uma seara de aspectos que somos incapazes de compreender por limitações linguísticas e, principalmente, cognitivas. Deuses pandimensionais que apenas o seu nome é capaz de levar uma mente sã à ruína.
Bloodborne consegue traduzir todas essas particularidades em mecânicas e criação de mundo. De uma forma nunca vista antes em alguma outra mídia em exceção à literatura. Mas, a pergunta que cabe é: qual é o papel do jogador neste mundo contemplativo e desconhecido?

Inspirado por um artigo que li recentemente proponho uma reflexão acerca da narrativa unida ao gameplay trazendo a discussão unicamente para Bloodborne. O artigo em questão foi escrito por Mariana Amaro com o tema: “O Gameplay como Processo Narrativo: uma análise de experimentos com Brothers — A Tale of Two Sons”. UFRGS, 2016”.

Gosto de descrever os jogos do diretor Hidetaka Miyazaki (Demon’s Souls, Dark Souls, Bloodborne) como um quebra cabeça. Um grande amontoado de imagens e páginas arrancadas de um livro oculto que folhamos em busca de sentido. O exercício de exploração é alimentado pela curiosidade natural do ser humano. A descoberta é uma recompensa imediata à inquietude provocada pelo desconhecido.

Uma obra literária ou um filme tem uma espécie de narrativa emoldurada ou embutida, aonde apenas a vã observação é capaz de entender em alguma medida tudo o que está acontecendo, sem um grande exercício semiótico ou algo do gênero.

Em Bloodborne, ser o espectador passivo não é suficiente. De forma que nosso personagem torna-se apenas o peão citado no primeiro parágrafo. Não existem grandes cutscenes de estória e os personagens aparentam ser apenas pessoas que enlouqueceram por motivos variados.

Somos como os personagens Lovecraftianas, cavando o desconhecido. Compreendendo que somos insignificantes e que existe um universo muito maior. A genialidade está traduzir o que nós -os jogadores- sentimos, em mecânicas arrojadas.

Por exemplo, quando nos deparamos com alguma coisa grandiosa e incompreensível, automaticamente ganhamos um ponto de discernimento (insight), este atributo também pode ser encontrado em um item chamado “conhecimento de louco”. Quanto maior a compreensão do nosso avatar, mais suscetível à loucura ele se torna, por outro lado, sua capacidade de enxergar criaturas invisíveis aos olhos de uma mente sã também é elevada.
Faz parte do jogo. Estamos sempre a um passo de nos tornarmos tão doentes e catatônicos como os NPCS que trombamos durante a jornada. A curiosidade do jogador em desbravar o universo é a medida da punição do nosso personagem. Às cegas somos apenas mais uma fera. Uma besta seguindo um objetivo sem questionar. Na total ignorância infantil de uma raça primitiva como o homem. Mas o conhecimento… Bom o conhecimento é poder e capacidade de arbitrar nosso destino e dar o ponto final menos trágico ao fim da nossa jornada.

Esse texto é de autoria de Rafael Marini, postado originalmente no Medium.
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