Posts Recentes

Kafka à beira-mar, de Haruki Murakami

23 maio 2018


Duas histórias paralelas que se chocam em um universo onde nada – e ao mesmo tempo tudo – é o que parece ser. Duas vidas muito diferentes que encontram um ponto em comum no sentimento de não-pertencer a esse mundo e na busca por alguma coisa maior. Essa é a premissa de Kafka à beira-mar, romance do escritor japonês Haruki Murakami, publicado em 2003 no Japão e trazido ao Brasil em 2008 pela editora Alfaguara. 

Murakami já é tido, no cenário da literatura atual, como um autor muito querido por leitores jovens e amantes do realismo fantástico em todo o mundo; Kafka à beira-mar foi, para mim, uma confirmação do quão grandiosa é a capacidade do escritor de estruturar uma história forte e mágica, realmente digna da apreciação que ele recebe por fãs do gênero (grupo no qual estou certamente inclusa, hehe). Esse romance foi o terceiro que li do japonês – os outros dois foram Minha querida Sputnik e a trilogia 1Q84, duas obras que também muito me agradaram – e Kafka certamente se consagrou como meu favorito entre eles. 

Kafka à beira-mar tem seu foco em duas histórias principais, ambas ambientadas no Japão. De um lado, temos o jovem Kafka Tamura, de apenas quinze anos, que acaba de fugir da casa do pai em busca de sua mãe e irmã mais velha, que o deixaram quando ainda era pequeno, sem nenhuma explicação. Ele se sente amaldiçoado por uma profecia proclamada por seu progenitor e decide sair da cidade praticamente sem rumo e sem objetivos bem definidos. Do outro lado, temos Satoru Nakata, um senhor idoso que perdeu parte de sua capacidade mental em um trauma de infância, o mesmo acidente que o tornou apto a conversar com gatos. Sim, conversar com gatos. Essa é apenas uma das muitas peculiaridades fantásticas que vão surgindo na narrativa e na trajetória desses dois personagens, vidas muito distintas que estão destinadas a se entrelaçar mais cedo ou mais tarde.

Essas duas histórias são contadas paralelamente, alternando-se ao longo dos capítulos. Quem já leu 1Q84 vai identificar uma semelhança, com essa proposta de unir dois personagens por meio de uma narração alternada (foi uma das primeiras coisas que reparei quando iniciei a leitura). As partes de Kafka Tamura são contadas por ele mesmo, em primeira pessoa, enquanto a trajetória de Nakata é narrada em terceira pessoa. Apesar dessa diferença, os dois núcleos principais se comunicam muito bem e não encontrei nenhuma confusão ou desconforto na leitura. Conforme os caminhos vão se desenvolvendo, somos apresentados a novos personagens, como a simpática Sakura, o sensato bibliotecário Oshima, a misteriosa Sra. Saeki, o caminhoneiro Hoshino e outras entidades – nem sempre humanas. Não posso deixar de mencionar como me apaixonei por Oshima e Hoshino: esses dois personagens, mesmo não sendo o foco principal da narrativa, foram as verdadeiras "estrelas" para mim. 


Ficha Técnica:
Título: Kafka à beira-mar | Autor: Haruki Murakami | Ano: 2008 | Páginas: 571 | Idioma: português | Editora: Alfaguara

Uma das características mais interessantes da prosa de Murakami, que não faz nenhum esforço para "complicar" no campo das palavras, mas ao mesmo tempo desenvolve um estilo muito rico em poesia e metáforas, é o uso das mais diversas referências. Ele nos leva aos mais variados lugares: desde outras obras da literatura até elementos do mundo pop. Isso fica bem claro já no título: Kafka, que é o apelido adotado pelo nosso jovem protagonista, é uma referência ao escritor alemão Franz Kafka, um dos mais influentes do século XX – cuja prosa, inclusive, vale mencionar, também era bem surreal. Esse é um dos muitos aspectos que dão um caráter universal e jovem às histórias do escritor japonês. Temos a sensação de estar lendo algo completamente fresco, sem contar que é sempre divertido ver uma referência a uma banda, por exemplo, e pensar: ei, eu também escuto isso. Parece que o livro está mais próximo da gente.

Quem não está tão familiarizado com o gênero, ou mesmo com a prosa do autor, pode estranhar os níveis de "absurdo" que permeiam a narrativa de Haruki Murakami. É preciso se propor a "comprar a ideia", isto é, adentrar o universo das páginas do livro. Se está chovendo peixes, está chovendo peixes. E olha, posso garantir que vale a pena mergulhar nesse mundo novo. Não chega a ser tudo um mar de rosas – e em alguma obra é? –, posso pontuar que houve até aspectos do livro ou caminhos tomados pelo autor que eu não gostei, mas a narrativa como um todo é tão bem feita que esses incômodos mantiveram uma proporção mínima, coisa que talvez não acontecesse em outro livro, outra história. Nesse aqui, as qualidades tomam uma proporção muito superior.

Kafka à beira-mar é uma leitura rica em conteúdo, agradável em termos de estilo e complexa por fazer sentir uma infinidade de sensações que são muito facilmente transportadas às nossas vidas, às nossas próprias histórias. É uma metáfora-mãe repleta de pequenas metáforas-filhas. É um presente ao leitor ávido de romances que deseja escapar da mesmice e se deparar com algo deliciosamente novo e inteligente.


E, quando a tempestade passar, na certa lhe será difícil entender como conseguiu atravessá-la e ainda sobreviver. Aliás, nem saberá com certeza se ela realmente passou. Uma coisa porém é certa: ao emergir do outro lado da tempestade, você já não será o mesmo de quando nela entrou. Exatamente, esse é o sentido da tempestade de areia. 

Comentários
8 Comentários

8 comentários :

  1. Olá, tudo bem?

    Confesso que nunca li nada de autor japonês, e que não conheço nenhuma das obras desse autor. Achei a premissa bem doida... o.o ma parece interessante, no entanto, confesso, fiquei medmo curiosa foi pra ler algo escrito por um japa. XD

    ResponderExcluir
  2. Olá!
    Olha, eu não me interesso muito por escritores e histórias japoneses, mas é preciso abrir os horizontes e sair da nossa zona de conforto, fiquei encantada com as habilidades, falar com gatos? hahaha.. mas tirando isso, parece se uma história leve e interessante, irei colocar na lista, quem sabe eu não leia!

    beijos!

    ResponderExcluir
  3. Oi, tudo bem?
    Eu ainda não conhecia esse livro e nem o autor, mas confesso que esta obra foge bastante do que estou acostumada a ler. Achei a premissa até interessante, mas não me cativou. Eu não sei se teria muita paciência para aceitar esse lado absurdo que aparece na história e teria dificuldade de me envolver na leitura. Além disso, não curti muito o fato de serem duas histórias paralelas contadas de forma alternada.
    Adorei sua resenha e fico feliz que a leitura tenha valido tanto a pena para você. No momento, não é uma leitura que eu planeje fazer. Mas, quem sabe futuramente, eu arrisco sair da minha zona de conforto né?
    Beijos!

    ResponderExcluir
  4. Maravilhosa a sua resenha. Achei a premissa do livro sensacional. Preciso ler algo do autor, talvez comece por esse pois já gostei desses dois personagens principais.

    ResponderExcluir
  5. Olá,
    o livro não me atrai. A complexidade da trama meio que me desanima e não me vejo arriscando nesta leitura. Volta e meia procuro livros mais densos com o objetivo de sair da minha zona de conforto mas no momento estou inclinada a curtir a boa e velha leveza que algumas obras são capazes de proporcionar.

    Abraços!
    Nosso Mundo Literário

    ResponderExcluir
  6. Oi, tudo bem?
    Desde que comecei a interagir mais com blogs literários de diversos seguimentos, passei a conhecer mais literaturas de diversos países. E estou tendo muita vontade de ler histórias japonesas. Sua resenha me deu uma boa ideia por onde começar a ler. Obrigada pela dica! Beijos

    ResponderExcluir
  7. OII.
    Que fotos lindas <3. Nunca li nada do Murakami,apesar de ler muitas opiniões positivas sobra as obras dele e pelo fato de der um clássico.
    Adorei a resenha e fiquei bem curiosa para conhecer mais do autor e seus livros.
    Abraços <3

    ResponderExcluir
  8. Perai.... eu li a primeira frase da sua resenha e fiquei "como assim?" naquele sentido de perai que isso já me ganhou e eu preciso dar uma chance agora mesmo para esse livro.
    Conforme fui lendo sua resenha, fui ficando mais interessada, mas ao mesmo tempo com um certo receio por que definitivamente não é meu estilo de leituras e por conta disso é mais provavel que eu demore para me envolver com a história. Mas pretendo dar uma chance... afinal, vai que eu acabe me encantando de vez e querendo mais do autor e do estilo né?
    Beijinhos,
    Lica

    ResponderExcluir