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O tempo desconjuntado, de Philip K. Dick

07 agosto 2018



Ficha Técnica:
Título: O tempo desconjuntado | Autor: Philip K. Dick | Ano: 1959 | Páginas: 266 | Idioma: português Tradução: Braulio Tavares Editora: Suma

O tempo desconjuntado, de Philip K. Dick, é uma obra de ficção científica que trata primordialmente sobre a percepção da realidade em que se vive. Publicado pela primeira vez em 1959 por um dos grandes mestres do sci-fi, o livro reflete a tensão, o medo e a desconfiança crescente do período da Guerra Fria, que muito afetava a sociedade estadunidense: a influência desse contexto fica bem clara no tom de paranoia febril que acompanha essa narrativa do início ao fim.

E se você começasse a duvidar de que a realidade à sua volta é mesmo real e passasse a considerar a possibilidade de tudo aquilo ser encenado – sua família, seus amigos, seu emprego, sua cidade , como se fosse uma grande conspiração silenciosa contra você?

Essa é a situação de nosso protagonista, Ragle Gumm. Ragle é um quarentão que mora com a família da irmã e vive uma rotina monótona, dedicando quase todo o seu tempo na resolução de charadas para o concurso diário do jornal da cidade. A capacidade de sempre (ou quase sempre) acertar as respostas do concurso, por meio de cálculos e análises minuciosas, parece ser seu único talento. A personalidade de Gumm carece de atributos atraentes e ele não alimenta outros interesses relevantes, sentindo-se frequentemente como um sujeito meio fracassado, um solteirão que dá em cima da esposa fútil do vizinho e não tem nenhuma outra vantagem pra contar além da fama do concurso e de uma breve participação na Segunda Guerra Mundial.

Essa realidade comum e entediante – apesar de relativamente confortável – é abalada quando Ragle começa a ter visões estranhas, nas quais tudo à sua volta se dissolve e desaparece. Isso acontece depois de ouvir o cunhado, Vic Nielson, relatar sobre uma situação parecida com um deja vú. Como se tivesse a consciência despertada por esse incidente, nosso protagonista começa a prestar mais atenção ao seu redor e vai ficando cada vez mais paranoico sobre a importância da própria vida e do concurso de charadas. 

Uma sucessão de estranhamentos e coincidências bizarras vai empurrando Ragle Gumm para o limite de sua inércia, motivando-o a ir atrás de enfrentar as supostas barreiras de sua realidade atual e entender, afinal, o que diabos está acontecendo – a grande pergunta que vai acompanhar o leitor por boa parte dessa narrativa. As descobertas sobre a identidade de Ragle e sobre o real mundo em que ele vive, por trás dos panos do seu dia-a-dia perfeito, vão virar a história de ponta cabeça. 

É perceptível que muitas obras "beberam dessa fonte" – a trajetória tensa e paranoica, o "universo por trás do universo, posteriormente. Os exemplos que ficam mais claros para mim seriam O show de Truman e Matrix. Possivelmente até um Black Mirror. Para a gente, que lê uma obra assim na atualidade, depois de já ter se deparado com essas outras, pode até parecer que esse enredo já está ultrapassado; mas é importante lembrar que Philip K. Dick veio muito antes desses outros sucessos.

O tempo desconjuntado foi considerado, pelos fãs do autor, como uma aposta arriscada da editora Suma, por ser visto como uma obra mais diversa e menos conhecida do que seus outros livros mais populares. Tendo lido esse romance depois de ler unicamente Androides sonham com ovelhas elétricas?, o famoso Blade Runner, realmente houve uma certa surpresa da minha parte quanto às diferenças entre eles. Enquanto Blade Runner parece se demorar mais em reflexões filosóficas e melancólicas – que eu particularmente amo –, O tempo desconjuntado é um livro mais "frio", mais sci-fi e menos existencialista, apesar de ter toda essa pegada de "o que é realidade?" e tudo. 

Tendo dito isso, achei o livro fácil de atravessar, no sentido de não ser uma leitura densa e maçante, apesar de toda a complexidade que ele apresenta. Muito pelo contrário, a escrita de Philip K. Dick é fluida e agradável. Senti falta de simpatizar mais com os personagens, pois, me aproveitando aqui de um pouco de ironia, eles têm tanto carisma quanto o trânsito do meio-dia, e nenhum ali se salva. Também me sentiria mais cativada pela narrativa se houvesse aquela carga maior de reflexão e melancolia que parece ter ficado para as outras obras do autor. 

Por fim, a editora Suma caprichou muito nesse livro e o resultado foi um produto lindo, capa-dura e de ótima qualidade. Mais uma belezura para a minha estante! Fãs do gênero e leitores curiosos, considerem levá-lo também para as prateleiras de vocês!
A palavra não representa a realidade. A palavra é a realidade. Para nós, pelo menos. Talvez Deus chegue aos objetos; nós, contudo, não. 
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