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A redoma de vidro, de Sylvia Plath

30 maio 2018



Imagino que várias das pessoas que acessam nosso blog já tenham ouvido falar de A redoma de vidro, da norte-americana Sylvia Plath, ou ao menos tenham escutado o nome da autora por aí, geralmente mais ligado à sua obra poética. Esse é o único romance da Sylvia - suas outras publicações são todas coletâneas de poemas – e foi publicado em 1963, pouco antes de ela cometer suicídio, aos trinta anos de idade, deixando para trás o marido e seus dois filhos pequenos.

A redoma de vidro é uma narrativa ambientada na década de 1950 que, de início, nos engana quanto ao seu tema principal: a depressão. Com uma inicial leveza irônica que “morde e assopra”, ela conta a história de Esther Greenwood, uma jovem talentosa do interior que acaba de ganhar um estágio numa revista de moda em nada mais, nada menos do que a grande cidade de Nova York. Esther é brilhante, bonita, parece que “tem tudo para dar certo”; porém, mesmo rodeada do glamour que esse momento de sua vida proporciona, ela começa a se sentir cada vez mais vazia e sufocada dentro de si mesma.

Apesar do fundo complexo, o estilo de Sylvia Plath é relativamente simples e poético, com pitadas de um humor ácido, fazendo rir algumas vezes, para em seguida mandar aquele tapa na cara. Pessoalmente, considerei Esther uma personagem muito fácil de se identificar, não apenas por eu já ter sofrido com a depressão, mas pela postura que ela adota em várias situações: mais defensiva, tem dificuldade de se aproximar das pessoas e passa a impressão de ser “fria”. Ao mesmo tempo, alimenta um desejo de ser escritora que vai se esvaindo conforme ela se vê perturbada com um questionamento que muitas pessoas enfrentam durante a juventude: qual é o meu lugar no mundo? Que caminhos devo escolher para o meu futuro?


Ficha Técnica:
Título: A redoma de vidro | Autora: Sylvia Plath | Ano: 1963 | Páginas: 274 | Idioma: português | Editora: Globo Livros, sob o selo Biblioteca Azul 

Esther se vê perdida entre suas vontades pessoais e aquilo que a sociedade espera dela. Existe ainda o agravante da época: na década de 50, nosso mundo era muito mais machista e havia uma exigência ainda mais forte quanto aos papéis de esposa e mãe. Deveria Esther lutar para seguir sua carreira na moda, nos poemas, ou “resolver-se” com um homem, como o repulsivo Buddy Willard, que é apaixonado pela idealização de mulher dela mas não a enxerga como realmente é? (Quem nunca teve um relacionamento assim?)

Conforme a narrativa prossegue, nossa protagonista vai se fechando mais e mais em si mesma, sem receber a ajuda necessária das pessoas em volta dela – especialmente a mãe, que vê a depressão como “má-vontade”, passei muita raiva com essa personagem – afundando em um estado severo da doença, o qual culmina na sua internação em um hospital psiquiátrico. Naquela época, não se tinha o mesmo conhecimento e cuidado com doenças mentais que se tem hoje, de modo que os médicos usavam de tratamentos traumáticos como o eletrochoque e remédios muito pesados. A partir daí, acompanhamos a trajetória de Esther em sua luta silenciosa, porém constante, para se reerguer e sobreviver não apenas a um espaço hostil, mas também a si mesma.

Muitos apontam que A redoma de vidro tem caráter autobiográfico para Sylvia Plath, visto que vários aspectos da obra se assemelham a acontecimentos da vida da própria escritora, como a faculdade, a revista de moda em Nova York, a doença e a internação no hospital psiquiátrico. Sylvia chegou a acreditar ter se recuperado de seu estado depois do período de tratamento, de modo que publicou seus poemas, casou-se, teve dois filhos e escreveu o romance, antes de sucumbir de vez à depressão. Mesmo com sua obra escassa, é vista como uma referência literária de sua época e inspirou muitos outros escritores, artistas plásticos e até músicos.

Seu livro trata com uma sinceridade crua e fiel desse assunto delicado, sendo uma leitura certamente pesada, mas que me agregou muito. No momento atual, em que os debates sobre transtornos mentais – especialmente a própria depressão e questões de ideação suicida – estão se abrindo e existe uma tentativa maior de conscientizar as pessoas sobre esses temas, A redoma de vidro se mostra ainda muito atual e carrega grande valor por ser uma narrativa que não romantiza e nem esconde as dificuldades "debaixo do tapete", da mesma maneira que não busca apontar culpados ou planejar vinganças: é a luta interior contra o vazio exatamente como ela é. 


Eu sabia perfeitamente que os carros estavam fazendo barulho, e que as pessoas dentro deles e atrás das janelas iluminadas dos prédios estavam fazendo barulho, e que o rio estava fazendo barulho, mas eu não conseguia ouvir nada. A cidade estava dependurada na minha janela, achatada como um pôster, brilhando e piscando, mas poderia perfeitamente não estar lá, já que não me afetava em nada.
Comentários
10 Comentários

10 comentários :

  1. Oi Rafa! Eu não conhecia a autora ou o livro, e achei interessante demais! Achei triste a história de vida dela, e acredito que a obra tenha um pouco da história dela própria. Acho que qualquer obra bem escrita, contendo temas tão atuais e importantes como a depressão e outras doenças psicológicas, devem ser conhecidos. Eu gostei da personagem e também me identifico com as dúvidas e incertezas. Obrigada pela resenha!


    Bjoxx ~ www.stalker-literaria.com

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  2. Essa é uma das minhas obras favoritas da vida, quase cogitei ser o tema da minha pesquisa cientifica, sem duvidas alguma o carater biográfico é muito presente e fica meio dificil nao acreditar que seja. Sylvia é extremamente poética.

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  3. Olá, tudo bem?

    Eu não conhecia a autora e nem o livro. Ainda, infelizmente, é um tabu falarmos sobre a depressão. Nós só conseguiremos mudar isso se falarmos sobre!
    Amei a capa do livro, o minimalismo deu um toque de mistério, o que desperta nossa curiosidade.

    Beijos!

    www.resenhasetudomaisbr.blogspot.com

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  4. Quando lia as características da protagonista logo assossiei com a autora, que inicialmente você aponta sobre seu suicídio. Realmente, é complicado o tema mais é tão atual né verdade? Enfim, o livro parece trazer uma profundidade tão grande que realmente despertou minha curiosidade, por mais que ele seja pesado. Enfim, amei a dica.

    Beijos
    http://ventoliterario.blogspot.com

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  5. Oi, Rafa.
    Gostei bastante da sua resenha e achei que você apontou questões bem interessantes sobre a atualidade desse livro. Infelizmente não me dou muito bem com a escrita da autora. Já tentei, mas não consigo me prender!! Uma pena!!
    beijos
    Camis - blog Leitora Compulsiva

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  6. Oi, Rafaela. Tudo bem?
    Então, eu tenho a impressão que já ouvi falar da autora em algum momento da minha vida, mas confesso que não conhecia nem a história dela, nem sobre suas obras. Lendo a sua resenha, tive a impressão que "A redoma de vidro" parece ter uma ambientação muito melancólica, até porque trabalha com um tema bem delicado, que é a depressão. Eu fiquei bem animado para ler o livro, primeiro porque gosto de livros com temática fortes, pois nos convida para a reflexão. Outro aspecto que me chamou a atenção foi o fato do livro ser ambientado na década de 1950. Vejo isso como uma grande oportunidade de conhecer aspectos sobre a época. Realmente fiquei bem envolvido com a história. Com certeza, quero ler. Amei a dica.

    Abraço!

    meuniversolb.wixsite.com/meuniverso

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  7. Amei muito a sua resenha!

    Eu já ouvi falar bastante desse livro (e acho que saiu uma obra sobre a autora... não sei se diários dela ou algo assim) e tenho vontade de ler, embora também exista um medo grande, pois também já tive depressão e não sei se seria uma leitura boa para mim.

    Eu li um livro poucos meses atrás (Veronika Decide Morrer, do Paulo Coelho) no qual uma das personagens sofria de depressão e para "tratá-la" o hospital psiquiátrico no qual ela estava internada utilizada os eletrochoques. Aí fui pesquisar sobre essa prática e descobri que tal tratamento ainda é adotado em alguns lugares, o que me deixou chocada.

    Minha poetisa preferida, a Florbela Espanca, também cometeu suicídio. É um tema muito sério, ao qual os outros deveriam dar mais importância.

    É triste saber que mesmo tendo lutado contra a depressão a Sylvia tenha resolvido acabar com tudo. :( Também fico me perguntando o que deve ter contribuído para isso. Porque sempre penso que as pessoas em volta (como familiares) costumam ter mais responsabilidade do que imaginam ou estão dispostos a aceitar.

    Também acho que a personagem do livro A Redoma de Vidro é muito parecida com a autora. Ela colocou a vida dela no papel, na personagem.

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  8. Olá!
    Eu não conhecia esse livro, mas gosto da abordagem, principalmente por trazer uma história de vida conturbada e dramática para tentar sair da depressão e que infelizmente perdeu a batalha e cometeu suicídio.
    Acho que esse tipo de livro é interessante para refletirmos sobre a vida e em que ponto dela nós estamos.
    Dica anotada!
    Beijos!

    Camila de Moraes

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  9. Oi Rafela,
    Já tinha ouvido falar de A Redoma de Vidro antes, mas o estilo do livro não me agrada tanto. Alguns livros ainda conseguem me surpreender, mas não parece ser esse o caso. Sua ótima resenha deixou claro o que esperar da história. Parece ser uma ótima pedida pra quem curte. Que bom que gostou tanto da leitura.
    Com amor, André
    Garotos Perdidos

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  10. Oi,
    não conhecia esse livro ainda mas já me interessei muito por essa abordagem. Gosto de obras que trazem a luz a forma relapsa com a qual as pessoas com doenças mentais estão sendo tratada ao longo dos anos. Recentemente comecei a assistir uma trama que trás esta questão, onde uma das personagens claramente possui um quadro depressivo devido a situações vividas no próprio ambiente familiar e assim como neste livro, a mãe da jovem a julga apenas rebelde e inadequada e acabou por interná-la num hospício. Fiquei com muita vontade de ler este livro.

    Abraços!
    Nosso Mundo Literário

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