A menos que você viva em um local muito recluso da internet, acredito que já tenha ouvido falar sobre “O Conto da Aia” ou “The Handmaid’s Tale”. E se você ainda não leu e/ou ainda não viu o seriado do ano, eu te aconselho a fazer isso o mais rápido possível! Mas, se por acaso você realmente não sabe do que estou falando, é o seguinte: “O Conto da Aia” é uma distopia escrita por Margaret Atwood original de 1985, mas se eu não soubesse disso poderia dizer que era um lançamento novíssimo em primeira impressão do mês passado. Aqui vou dar minhas impressões sobre o livro e fazer alguns paralelos também com o seriado, visto que já tive contato com os dois e achei ambas as obras muito boas.
Nesta distopia, há um problema grave de infertilidade entre as mulheres americanas. A fim de resolver este problema (ou simplesmente usando-o como desculpa), é instaurado um Estado teocrático totalitário através de um golpe de estado, onde a Constituição é “temporariamente” suspensa e o país passa a ser chamado de “República de Gilead”. Com a Constituição suspensa, o novo documento que rege a vida e as leis da sociedade passar a ser a Bíblia. A partir disso você já pode imaginar como a sociedade e a vida, especialmente das mulheres, melhorou muito! Só que não.
Como outras coisas agora, os pensamentos devem ser racionados. Há muita coisa em que não é produtivo pensar. Pensar pode prejudicar suas chances, e eu pretendo durar. (p. 16)
O planejamento e execução do golpe de estado foi dos “Filhos de Jacob”, que posteriormente passaram a se chamar “Comandantes”, homens com alto cargo social dentro dessa nova era. Também existem os Olhos, que são como a polícia desse novo regime. E os Anjos, que são a força militar que luta nas frentes de guerra. Também existem algumas classes entre as mulheres. Temos as Esposas, que são as mulheres dos Comandantes. As Marthas, que são mulheres que cuidam da casa, ou seja, as empregadas domésticas. Temos as Tias, mulheres responsáveis por “treinar” e cuidar das Aias. E as Aias, que são mulheres jovens e férteis que têm como finalidade (não digno “objetivo” porque elas não têm escolha) gerar filhos para o Comandante e a Esposa. E temos também as Econoesposas, que são esposas de classe mais baixa mas são abordadas apenas no livro.
Baseando-se em uma passagem bíblica (Gênesis, 30:1-3), as famílias responsáveis pelas Aias acompanham seu ciclo menstrual e em seus dias férteis realizam o que chamam de “Cerimônia”. Esse ritual começa com todos os empregados, a Aia e o casal reunidos em um cômodo da casa para rezar. Após isso, o casal e a Aia vão para o quarto, onde a Aia deita entre as pernas da Esposa para que o Comandante execute o ato sexual na Aia. A reza antes do ato e a presença da Esposa são justificadas como para tornar o ritual sagrado. Mas você também pode chamar isso tudo de estupro que é a mesma coisa.
Para qual de nós duas é pior, para ela ou para mim? (p. 117)
A história é narrada em primeira pessoa do ponto de vista de uma dessas Aias. Em momento algum é confirmado seu nome “de antes”, que é como chamam os tempos antes da República de Gilead, mas no seriado o nome adotado para ela é o de June. Nome que também é citado no livro, mas não é direcionado a ninguém em específico.
Aliás, isso é outra coisa que as Aias perdem: seus nomes próprios. Por exemplo, nossa narradora é chamada de “Offred”, porque o nome de seu comandante é Frederick (fato que também é só confirmado no seriado, no livro isso não fica claro). Ou seja, ela é “do Fred”. E quando a Aia vai para a casa de um novo Comandante, muda também a maneira como é chamada.
Esta mulher tem sido minha parceira há duas semanas. Não sei o que aconteceu com a outra, a anterior. Um belo dia, ela simplesmente não estava mais lá, e esta aqui estava em seu lugar. (p. 29)
Porque as Aias são temporárias. Elas ficam em uma casa até gerarem um bebê, fazerem o parto e amamentarem a criança. Após isso, ele fica com o Comandante e a Esposa e a Aia vai para a próxima casa, passar por tudo de novo. E nunca mais têm contato com as crianças que geraram.
Dá-me filhos, ou senão eu morro. Há mais de um significado para isso. (p. 75)
Achei muito interessante como no livro temos algumas lembranças da narradora com sua mãe, que era uma pessoa muito jovial e feminista ativa, que participava de debates e protestos, mas mesmo com esse exemplo feminino, nossa narradora mostrou ser alguém tranquila e até indiferente às lutas femininas antes de tudo acontecer. Porém, depois de tornar-se Aia, ela se viu obrigada a ser a pessoa forte e a lutar por cada dia, mesmo nunca tendo sido esse tipo de pessoa antes.
Eu a quero de volta. Quero tudo de volta, da maneira como era. Mas não adianta, não tem nenhum objetivo, esse querer. (p. 149)
A maneira como é feita essa transição após o golpe de estado, com as mulheres perdendo seus direitos, pessoas tentando fugir do país, e essa tomada de poder gradual e suas consequências são bem explicadas tanto no livro quanto no filme. Mas não vou contar mais nada a partir daqui para não estragar a história.
Vale mencionar também que vários pontos do livro podem ser comparados a outra distopia clássica: “1984”, de George Orwell. A Polícia do Pensamento, o Duplipensar e o clima cinzento da história de Orwell foram influências claras no romance de Atwood. Obviamente, isso não é de nenhuma forma um demérito a “O Conto da Aia”, já que qualquer distopia escrita depois de 1948 bebe de uma forma ou outra desta fonte.
O seriado, produzido pelo serviço de streaming americano Hulu, foi uma adaptação impecável. Souberam dosar muito bem onde e quais mudanças fazer - coisa rara em algum roteiro adaptado de obras literárias - para deixar a história ainda melhor e mais interessante. Além de a história no seriado se passar na atualidade, os figurinos são impecáveis. Com quadros de câmera, paleta de cores, roteiro e trilha sonora, tudo muito bem pensado nos mínimos detalhes.
E você, leitor, já conhecia a história? O que achou? E se não, vá logo resolver isso e depois volte pra nos contar!
Rezo silenciosamente: Nolite te bastardes carborundorum. Não sei o que significa, mas me soa correto, apropriado, e terá que servir, porque não sei mais o que dizer a Deus. Não agora. (p. 111)
ISBN-10: 8532520669
Ano: 2017
Páginas: 368
Idioma: Português
Editora: Rocco
Gênero: Literatura estrangeira, distopia, ficção
Nota: 5/5
A série foi vencedora nas seguintes categorias do Emmy deste ano:
- Melhor Série Dramática
- Melhor atriz em série dramática: Elisabeth Moss
- Melhor atriz coadjuvante em série dramática: Ann Dowd
- Melhor atriz convidada em série dramática: Alexis Bledel
- Melhor direção em série dramática: Reed Morano, pelo episódio "Offred"
- Melhor roteiro em série dramática: Bruce Miller, pelo episódio "Offred"
Olá Carol,
ResponderExcluirTerminei de ler sua resenha arrepiada até o último fio de cabelo. Já li muito sobre essa história, sobre a objetificação de mulheres, sobre o tanto que sofreram, mas não consigo me acostumar, nem aceitar isso como "normal", sabe?
Sua resenha está impecável, é uma das melhores que li até agora, fala bem do livro, retrata o que sentiu e faz o leitor sentir um pouco.
Vou ali pegar o livro para ler.
Beijos
Ah, Bruna, muito obrigada!
ExcluirRealmente não tem como aceitar essa objetificação e todos os problemas que nós, mulheres, enfrentamos no dia a dia. O importante é não abaixar a cabeça nunca, um dia de cada vez.
Espero que você goste da leitura, é forte mas muito necessária e como obra, é incrível.
Já li inúmeras resenhas sobre este livro e a única certeza que eu tenho é a de que eu preciso deste livro. Apesar da trama parecer meio arrastada devido a carga psicológica dela eu quero muito ler. Se não tiver jeito mesmo, vou ver a série. Ótima resenha.
ResponderExcluirBeijos.
https://cabinedeleitura0.blogspot.com.br/
Eu demorei um pouco pra concluir a leitura, mas foi mais pelos compromissos da faculdade, apesar de ser um assunto bem denso a leitura se faz de maneira bem fluída. E faça os dois, viu! Vale muito a pena ler o livro mas também vale muito a pena assistir ao seriado. Você não vai se arrepender.
ExcluirOi, Carol!
ResponderExcluirJá tinha lido a respeito do livro e da série, ainda não li nem assisti aos dois, mas já adquiri o e-book. Eu pretendo ler ainda esse ano. Me parece ser um livro chocante, até. Gostei muito da sua resenha, só me encheu de expectativas. Espero gostar.
Bjos
Lucy
Por essas páginas
Também espero que você goste, Lucy. Volte e me conte o que achou após a leitura.
ExcluirOiii,
ResponderExcluirMe deu até um arrepio lendo sua resenha e uma sensação de angustia por já conseguir visualizar a história toda! Mas admito que não conhecia nem o livro e nem a serie :O agora preciso desesperadamente dos dois pra saber como tudo ocorre e principalmente como a história vai terminar.
Beijinhos...
http://www.paraisoliterario.com/
AAAH, espero que você leia logo e que goste da obra!! É difícil mas vale o esforcinho.
ExcluirEu assisti a série e claro, fiquei impressionadíssima com o enredo, com a produção e infelizmente, com a pertinência do enredo. Estamos longe de todo este terror? Medo!!!! Quero muito ler o livro e ter a experiencia de como isso se deu dentro da narrativa e tenho certeza que será tão impressionante como foi assistir a adaptação.
ResponderExcluirMEU AMOR PELOS LIVROS
Beijos
Também penso sobre isso, Ivi... É de morrer de medo mesmo. Como disse na resenha, nem parece que o livro já tem mais de 30 anos. É incrível mesmo.
ExcluirOi.
ResponderExcluirAinda não li o livro e nem assisti a série, mas pretendo fazer os dois em breve.
É incrível como o enredo parece bem incrível e nada impossível de acontecer nos tempos atuais, com todas essas pessoas querendo enfiar suas crenças goela abaixo de outras pessoas.
Gostei muito da resenha e fiquei com vontade de conferir as duas obras.
Beijos.
Exatamente isso!! Conheça a história e depois volta aqui pra me dizer o que tu achou de tudo, Barbara. ^.^
ExcluirAmiga, essa história é tão forte, tão crua e tão dolorosa. O único motivo de que não li nem assisti ainda, é porque não tenho emocional para tal. Sua resenha ta tão linda. to super orgulhosa. Luiz, hehe, você também tá de parabéns!
ResponderExcluirbeijos <#
Obrigada, mozii! Tenho certeza de que quando você ler vais achar incrível. Mas é meio difícil mesmo... principalmente o seriado que é bem visual e não romantiza nada. Mas vale a pena.
ExcluirNossa!!
ResponderExcluirMe senti um ET hahahaha
Não conhecia esse livro e nem esse seriado, mas devo te dizer que apesar da sua resenha impecável e da sua animação bem evidente, esse livro definitivamente não é para mim. Não sei se eu teria psicologico para ler determinadas coisas.
beijos
Livros & Tal
Obrigada pelos elogios!!! Mas você está certa, tem que ser forte mesmo pra se envolver com essa história, principalmente sendo mulher. Mas se algum dia você achar que consegue encarar, tenho certeza de que não vais te arrepender.
ExcluirOlá, tudo bom?
ResponderExcluirEu ainda não li esse livro ou assisti a série, mas só pelas diversas recomendações que tive, sei que é uma obra que eu preciso ler.
Apesar da época escrita, aborda questões atuais e que, inclusive, eu tenho medo que ocorra futuramente.
Você perder seu nome, identidade, liberdade e simplesmente ser obrigada a fazer algo degradante como ser estuprada, ficar grávida, cuidar desse bebê e depois ser obrigada a dá-lo para o pai que a estuprou? Não tenho palavras para isso.
O que eu mais gostei de saber é que houve mudanças na adaptação, mas que isso deixou a história melhor e mais interessante. Realmente é algo raro em adaptações literárias. Sim, é um livro é uma série que, urgentemente, preciso ler/assistir.
Enfim, adorei a resenha e obrigada pela indicação :)
Abraços.
https://instantesmemoraveis.blogspot.com.br
Obrigada, Wellida. Espero que você busque a história o quanto antes e que goste muito dela - apesar de ser uma história difícil. Obrigada pela sua visita!
ExcluirOlá Carol,
ResponderExcluirque postagem incrível. Eu até já tinha ouvido/lido esse título mas não fazia ideia do que se tratava e certamente tudo passa muito longe do que eu poderia imaginar, terminei de ler seu texto com um aperto no coração, enquanto lia sua descrição da história não conseguia parar de pensar no quão dolorosa se tornou a realidade dessas mulheres, eu certamente procurarei o livro, pois acredito que o seriado ficaria mais inviável, ainda assim verei o que consigo fazer, porque mesmo me deixando angustiada essa história despertou meu interesse.
Abraços!
Nosso Mundo Literário
Oii, Delmara. Fico feliz que despertou seu interesse. <3 Esse é meu objetivo. Espero que você volte aqui depois pra me contar o que achasse do livro.
ExcluirOi!
ResponderExcluirEu já tinha visto falar dessa série e conseuqnetemente ddo livro, mas nunca tinha dado muita atenção, só fui saber do que se tratava agora em sua resenha.
Acho que vou procurar a série pra assistir porque achei a temática super forte e com várias críticas a nossa sociedade atual, com certeza vai ser algo que vai me marcar
Com certeza! E com certeza você vai achar a obra incrível. Obrigada pela visita. <3
ExcluirAssisti o seriado, e agora estou louca pra fazer a leitura.
ResponderExcluirExcelente esse comparativo que você fez, senti que uma coisa complementa outra, e fiquei ávida por mais detalhes. Que história incrível Margaret criou, preciso fazer essa leitura antes da próxima temporada.
Beijos
Olá, eu ainda não tive a oportunidade de ler o livro, e nem de assistir o seriado já que o serviço não tem na Netflix. Mas quando tiver a oportunidade de ler e assistir espero que seja uma ótima experiência
ResponderExcluirOi, tudo bem? Olha, eu vi muitas pessoas falando sobre a série, mas tenho andado tão sem tempo que nem parei pra saber do que tratava, e só descobri que era baseada em um livro vendo aqui no seu post. Lendo aqui o plot e suas impressões, só posso dizer que quero conhecer essa história pra ontem. E quando diz que tem um Q de 1984, aí pronto, fechou.
ResponderExcluir;D
Nelmaliana Oliveira
Posso te dizer que amei teu blog? Sério menina, tô apaixonada por ele e já salvei aqui pra visitar mais vezes.
ResponderExcluirPois bem, eu li tua resenha e meu comentário não apareceu, mas da primeira vez com ela me convenceu a ver a série e já tenho ela aqui para maratonar.
É uma obra única que tem todo um contexto que puta nossa, vale a pena ler e recomendar, por isso tu já tem a minha confiança pra outros livros, já que este é uma recomendação válida que poucos blogs conseguem me cativar tão rápido.
Uma frase tua me pegou de jeito. "A reza antes do ato e a presença da Esposa são justificadas como para tornar o ritual sagrado. Mas você também pode chamar isso tudo de estupro que é a mesma coisa."
PRECISO VER ESSA SÉRIE! NECESSITO DESSE LIVRO!
http://k-secretmagic.blogspot.com.br/
Xoxo